Brasil: a segunda pior educação do mundo. Um manifesto.

São duas as razões que me motivam a escrever este texto. Uma ótima, outra péssima. Comecemos pela notícia boa. Ontem, dia 04 de abril de 2013, tive o prazer de assistir por live streaming um evento extraordinário organizado pela Fundação Lemann e o Instituto Inspirare: o Transformar 2013. O nome fez jus ao que pudemos presenciar à medida que cada palestrante, empreendedor ou facilitador subia ao palco: uma verdadeira corrente de transformação em prol da EDUCAÇÃO se iniciava a cada instante. Ideias, modelos, métodos, negócios sociais, exemplos. Resultados. Dados concretos, reais, de instituições de ponta como HarvardMIT, de iniciativas disruptivas como o edX. Ufa, há esperança.

Já a razão negativa refere-se ao vergonhoso desempenho do Brasil em uma recente pesquisa sobre sistemas educacionais encomendada pelo Economist Intelligence Unit (grupo ligado à famosa revista The Economist) que avaliou 40 países. Você sabe qual foi a posição do nosso país? Trigésima nona. Isso mesmo, 39a. Ficamos à frente somente da Indonésia. O que dizer diante de um resultado desses? A notícia é triste, frustrante e desanimadora. Dado o choque inicial, há de se arregaçar as mangas e partir para a luta. O Transformar é a prova de que temos, no Brasil, pessoas capacitadas, inspiradas e dispostas a encarar os desafios de mudar esta realidade. E o transforME! quer abraçar esta causa também.

transforME! & Educação

A palavra inovação vem do latim innovo + are, e segundo o dicionário, significa renovar, inventar, criar. Inovação é também uma das palavras-chave que definem o transforME!: somos um time que adora novidades e esforça-se ao máximo para trazer notícias, ideias e inspiração para você através do nosso website.

Esta seção, entretanto, será dedicada a outro assunto que também nos interessa muito: educação. Somos um bando de felizardos que conseguiu realizar um sonho que uma parcela crescente de brasileiros atualmente aspira em concretizar: estudar e trabalhar fora do país, e ter a oportunidade de aprender não só para a vida profissional, mas também com a fascinante experiência de conviver com múltiplas culturas, diferentes línguas e modos de pensar. É claro que a realização deste sonho não veio de graça: não faltaram situações em que rimos, choramos, passamos noites em claro e gastamos inúmeras horas de muito suor e esforço para conquistar um lugar ao sol em terras estrangeiras.

Mas você pode estar se perguntando: o que uma coisa tem a ver com a outra? A resposta não poderia ser diferente: tudo!

Passado algum tempo fora do Brasil, aprendemos muito sobre o mundo, sobre nós mesmos, e, por incrível que pareça, sobre a nossa própria pátria. Não, você não leu errado – e pode estar pensando: “como é que se aprende sobre o seu país estando fora dele?” A resposta é simples:

Ao experienciar um mundo novo, onde educação é prioridade e acessível a diversos segmentos da população, não é difícil concluir que um povo educado (no sentido amplo da palavra, incluindo cultura e autoconhecimento) se traduz em uma nação desenvolvida. E é neste ponto em que você começa a divagar sobre os problemas enfrentados pelo seu próprio país e em maneiras de resolvê-los, levando-se em consideração métodos e práticas aplicados lá fora.

Uma triste realidade

Replicando uma frase clichê mas verdadeira: educação é fator fundamental para o crescimento e progresso de qualquer país. Todos conhecemos e acompanhamos a realidade do Brasil, e sabemos que esta questão precisa ser urgentemente melhorada em todas as instâncias e pontos de vista.

A Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 garantem a toda criança e adolescente brasileiros o direito à educação1.

Isso na teoria, porque na prática, sabemos que a realidade é bem diferente. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, ainda havia cerca de 14.1 milhões de analfabetos (cerca de 10% da população) com 15 anos ou mais de idade no Brasil em 20092. No documento Síntese de Indicadores Sociais, que também pode ser encontrado online3, o IBGE revelou que a taxa de escolarização líquida (proporção da população que se encontra frequentando a escola no nível adequado à sua idade) para a faixa etária de 15 a 17 anos chegou a apenas 50.9% em 2010. O estudo ainda expôs a disparidade socioeconômica presente no país: dos 20% mais pobres, apenas 32% dos adolescentes estavam cursando o ensino médio, enquanto na fatia dos 20% mais ricos, essa porcentagem chegava a 78%3.

Com relação às taxas de abandono, o Brasil está atrás também dos vizinhos do Mercosul. Em 2007, foram registrados índices de 10% de evasão escolar no ensino médio do país, comparado a 1% e 2.3% na Venezuela e no Paraguai, respectivamente3.

Ainda há esperança

Apesar dos números alarmantes e da progressão lenta, há de se destacar que a situação está melhorando em relação aos anos anteriores. Um dos esforços do Ministério da Educação (MEC) nesse sentido foi a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 20074. Este instrumento foi idealizado com o objetivo de medir a qualidade da educação das instituições de ensino brasileiras, classificando-as em uma escala de zero a dez. Cada escola possui metas a serem alcançadas até 2022 com o objetivo de chegar até a média 6 ou superior, considerada equivalente ao sistema de educação dos países desenvolvidos. O Ideb pode ser consultado no website do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep): http://ideb.inep.gov.br/

Uma outra iniciativa bacana é o programa Mais Educação5, que visa disponibilizar atividades opcionais como acompanhamento pedagógico, esporte e lazer, cultura e arte, educação econômica, entre outros, nas escolas públicas do país. Um dado interessante do Censo Escolar de 2010 realizado pelo MEC e Inep revelou que, na rede pública de ensino, as aulas de reforço em Matemática receberam uma maior procura, enquanto no ensino privado, atividades como Curso de Brincadeiras, Jogos Não Estruturados e Recreação/Lazer foram destaque6.

O nosso ponto de vista

Levando-se em consideração os dados acima, é com consciência, vontade de fazer a diferença e na tentativa de mudar uma realidade enraizada em fatos históricos e culturais, que o time do transforME! resolveu se engajar nesta área. Planejamos nos envolver em projetos educacionais, apoiar instituições que lutam pela melhoria do sistema de ensino brasileiro, e ajudar a divulgar a noção de que

educação é um direito, mas também responsabilidade de toda a sociedade, além da ideia de que a escola  deve se tornar mais atrativa.

Começaremos divulgando metodologias inovadoras, exemplos de escolas e universidades que estão acompanhando a mudança espantosa (e positiva!) ocasionada pela tecnologia e implementando modelos híbridos em sala de aula, e histórias que inspirem mais pessoas a se engajar nesta área. Como outros países conseguiram se tornar referência em educação? Quais os desafios de professores, pais e alunos em sala de aula? Que exemplos podemos seguir na tentativa de mudar a triste realidade do nosso país?

Ao longo do tempo, planejamos fomentar de maneira prática a ideia de que a escola é muito mais do que um lugar onde se aprende a ler e a escrever. Ela deve, sim, tornar-se um espaço no qual a criança (e o adolescente / adulto!) sinta-se livre para criar, experimentar e desenvolver o lado direito do cérebro, ligado à criatividade e intuição – e não apenas o pensamento lógico e analítico, resultado do amplo desenvolvimento do lado esquerdo. Este último é extremamente explorado pelo sistema educacional dos dias de hoje, muitas vezes baseado em hierarquia, autoritarismo e uniformização1. No contexto atual, ser diferente é ruim, o ato de questionar é malvisto e estar fora do ”padrão” estabelecido é perder crédito como aluno.

O que dizem os cientistas sobre a educação de base

Defendemos a ideia de que a escola deve refletir a realidade fora da sala de aula e auxiliar na formação de indivíduos pensantes, estimulando o autoconhecimento e a exploração e desenvolvimento de habilidades diversas. 

O mundo científico tem discutido estes princípios há tempos, defendendo hipóteses de que brincar, por exemplo, “é considerado um indicador e mediador do intelecto, criatividade e desenvolvimento social de crianças pequenas7. Estudiosos do assunto têm, inclusive, desenvolvido e testado métodos para medição do impacto de determinados brinquedos na formação das crianças. Com base nestas investigações, eles defendem que um professor deve equipar uma sala de aula com uma grande variedade de brinquedos que estimulem diversas formas de aprendizado, sejam elas sociais, simbólicas, cognitivas ou criativas7.

Brincar livremente é um dos fatores críticos reconhecidos por cientistas para que crianças tornem-se socialmente adeptas, estejam aptas para lidar com o estresse e desenvolvam habilidades cognitivas, como solucionar problemas.

O psiquiatra Stuart Brown, do Baylor College of Medicine (Houston, USA), afirma que limitar o tempo em que os pequenos se divertem livremente pode ter consequências sérias, resultando em uma geração de adultos ansiosos, infelizes e socialmente mal ajustados8. Não há nada de errado em brincar com jogos mais estruturados e cheios de regras, mas os especialistas sugerem que ao brincar livremente, as crianças são mais criativas, e isto estimula e desafia o cérebro em desenvolvimento de maneira muito mais ativa. Além disso, brincar acaba atuando como um treinamento para o inesperado, já que encoraja o desenvolvimento de flexibilidade e criatividade que podem ser benéficos no futuro em situações inusitadas e ambientes novos. O psicólogo David Elkind, da Universidade de Tufts (Boston, USA), complementa:

“Curiosidade, imaginação e criatividade são como músculos: se você não os utiliza, eles perdem sua função”.8

Já a escola pode se tornar um lugar mais criativo e interessante para as crianças com a adoção de atitudes simples e a colaboração e integração de professores. Algumas dicas incluem convidar profissionais para conversar com os estudantes sobre como se pode aplicar a criatividade no “mundo real”, sempre conectando-os com os conceitos aprendidos na sala de aula; designar um ou mais espaços na escola para expor trabalhos dos alunos, renovando-os frequentemente; formar um “clube extracurricular”, onde os alunos se reúnem após as aulas para melhorar suas qualidades acadêmicas, trabalhar em equipes e desenvolver a criatividade em projetos inovadores9. As ideias são muitas: Uma escola de Baltimore, EUA (Orems Elementary School), por exemplo, aplicou com sucesso um projeto onde todos os alunos publicaram seus próprios livros. Os estudantes puderam aprender sobre diferentes estilos de ilustração, e os livros foram parar na biblioteca da escola para que todos pudessem apreciá-los9.

O papel da família

A família, entretanto, pode ter uma influência fundamental na educação e no desenvolvimento do lado direito do cérebro de uma criança:

“Toda criança entra na escola com infinita imaginação e curiosidade, mas aprende rapidinho que saber a resposta certa é mais valorizado do que fazer uma pergunta inteligente”, reitera Tony Wagner, autor do livro Creating Innovators: The Making of Young People Who Will Change the World (sem tradução para o português)10. 

Em seu livro, Wagner dá algumas dicas para encorajar o desenvolvimento da imaginação e descoberta: desde permitir bastante tempo para que seu filho brinque de maneira pouco estruturada até ter tinta, água, areia e argila facilmente disponíveis; de manter computadores e televisores longe do quarto dos pequenos a expor o(a) seu filho(a) a uma infinidade de atividades que ele possa se interessar – e o mais importante, estimular esses interesses e respeitá-los10.

O primeiro passo

A nossa proposta ainda está engatinhando e temos muito a aperfeiçoar. Entretanto, queremos nos juntar a outras instituições que estão tentando fazer a diferença e contribuir para que a escola seja um lugar dinâmico, capaz de formar cidadãos pensantes e equilibrados e guia-los em direção ao conhecimento. Aprender é prazeroso, e a escola é responsável por incitar a determinação que leva os alunos em busca do saber.

Uma das principais razões para a evasão escolar, além de fatores relacionados à condição socioeconômica familiar, é a falta intrínseca de interesse na escola e de consciência dos estudantes e responsáveis de que a educação pode ter um impacto sobre suas vidas, não só em seu futuro profissional, mas também pessoal11

Este estudo aponta uma melhora de até 95% nas condições de saúde, associadas a um aumento da renda, como resultado direto da educação. Entretanto, como a maioria das recompensas surgem apenas na meia idade e velhice, os jovens brasileiros não enxergam o valor agregado da educação. Surpreendentemente, 40.3% dos entrevistados relataram falta de interesse intrínseco, sendo que 83.4% destes simplesmente não tinham desejo de frequentar a escola, e apenas 2.9% relataram influência dos pais ou responsáveis na decisão.

Acreditamos que ao criar um ambiente favorável, agradável e interessante, as escolas tornar-se-ão mais atrativas e um dos principais problemas relacionados à evasão escolar começaria a ser solucionado. Entretanto, é através da conscientização de toda a sociedade de que a educação deve ser um DIREITO e ACESSÍVEL A TODOS que o Brasil terá chances de se tornar uma nação mais igualitária e desenvolvida.

Ajude-nos nesta luta! Divulgue, apoie, crie, envolva-se com iniciativas que contribuem para o crescimento do nosso país! Conte-nos como a sua escola / universidade / bairro / comunidade está se mobilizando para melhorar a educação do povo brasileiro!

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Referências Citadas

1. Santos, AM. A educação no Brasil na Atualidade. Disponível em < http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/a-educacao-no-brasil-na-atualidade.htm>. Acesso em: 31 março 2012.

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Séries Estatísticas. Disponível em <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/lista_tema.aspx?op=0&no=4>. Acesso em: 01 abril 2012.

3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2010/default.shtm>. Acesso em: 02 abril 2012.

4. Portal do Ministério da Educação. Índice de desenvolvimento de Educação Básica (Ideb). Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=336&id=180&option=com_content&view=article>. Acesso em 02 abril 2012.

5. Portal do Ministério da Educação. Programa Mais Educação. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12372&option=com_content&view=article>. Acesso em 02 abril 2012.

6. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resumo Técnico do Censo da Educação Básica de 2010. Disponível em <http://portal.inep.gov.br/resumos-tecnicos>. Acesso em 03 abril 2012.

7. Trawick-Smith J, Russel H, Swaminathan S (2011). Measuring the effects of toys on the problem-solving, creative and social behaviors of preschool children. Early Child Development and Care, 181(7):909-927.

8. Wenner, M (2009). The serious need for play. Scientific American Mind, 20(1):22-29.

9. Hudson, HT (2012). How to make your school a more creative place and have more fun teaching. Scholastic Instructor, 39-43.

10. Wagner, Tony (2012). Creating Innovators: The Making of Young People Who Will Change the World. Scribner, 288 páginas.

11. Fundação Getúlio Vargas (RJ) – Centro de Políticas Sociais. Motivos para a evasão escolar. Disponível em <www.fgv.br/cps/tpemotivos/>. Acesso em 01 abril 2012.